Infarto em homens jovens cresce no Brasil e desigualdade no atendimento cardiovascular afeta mulheres; especialista alerta para a urgência da mudança no estilo de vida
No Dia Nacional de Combate ao Colesterol, 8 de agosto, o alerta é direto: alterações no colesterol constituem o principal fator de risco para infarto no Brasil. Segundo o Prof. Dr. Álvaro Avezum, Head do Centro Especializado em Cardiologia e Diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, 57% dos casos de infarto no país poderiam ser evitados com o controle adequado do colesterol.
“Ao normalizarmos os níveis de colesterol da população, poderíamos evitar aproximadamente 240 mil infartos por ano”, afirma o especialista. O dado é reforçado por evidências do estudo INTERHEART, conduzido com participação brasileira, e pelo PURE (Population Urban and Rural Epidemiology), coordenados no Brasil pelo próprio Dr. Avezum.
O estudo Pure acompanha 250 mil participantes em 27 países, e na América do Sul (incluindo Brasil) 25.000 participantes, entre 35 e 70 anos, de comunidades urbanas e rurais, com seguimento médio de 15 anos até agora.
De acordo com o cardiologista, o infarto, que antes acometia principalmente homens na sexta década de vida, hoje já é comum a partir dos 30 anos. Entre os jovens, além dos fatores clássicos (tabagismo, hipertensão arterial, colesterol, diabetes, sedentarismo, estresse e depressão, obesidade abdominal e alimentação não saudável) o uso de substâncias para fins estéticos, como hormônios e anabolizantes, tem contribuído para a piora do perfil lipídico e aumento do risco cardiovascular.
O colesterol é uma gordura encontrada em todas as células do corpo, necessário para a produção de hormônios, vitamina D e substâncias que ajudam na digestão dos alimentos. Os principais tipos de colesterol são:
• LDL (lipoproteína de baixa densidade): conhecido como colesterol “ruim”, pode levar à aterosclerose, que é o cúmulo de placas de LDL nas paredes das artérias, o que causa obstrução do fluxo sanguíneo.
• HDL (lipoproteína de alta densidade): o colesterol “bom”, ajuda a remover o LDL das artérias.
Estresse, hipertensão e desigualdade de gênero agravam o cenário
Outro fator alarmante é o estresse crônico, que, segundo o estudo INTERHEART, tem o maior impacto no Brasil entre os 52 países avaliados. “Cerca de 44% dos infartos poderiam ser evitados com o controle do estresse, especialmente quando relacionado à perda de emprego, morte na família, separação conjugal e instabilidade financeira”, explica.
A pressão alta, por sua vez, é considerada o fator de risco mais prevalente e negligenciado: 48% da população adulta brasileira é hipertensa, mas apenas 10% têm a pressão controlada. “A hipertensão é silenciosa, mas letal. É inaceitável que apenas uma minoria esteja efetivamente tratada quando a medicação está disponível, inclusive na rede pública”, afirma o médico.
Dr. Álvaro Avezum também chama atenção para a subvalorização do infarto em mulheres. “Mulheres têm 40% menos chance de receber o tratamento adequado em comparação aos homens, mesmo quando apresentam os mesmos sintomas”, destaca. Apesar de infartarem menos, a mortalidade proporcional feminina é maior, já que as chegam aos serviços de saúde com quadros mais graves.
Mesmo com mortalidade semelhante entre mulheres e homens, mulheres podem ser mais acometidas por algumas alterações e disfunções cardiovasculares.
De acordo com dados da Estatística Cardiovascular – Brasil 2021, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, as queixas de dores do peito, que podem ter relação com doenças cardiovasculares e obstrução arterial foram mais predominantes nas mulheres do que nos homens em todos os estudos analisados.
Colesterol é peça central para evitar AVC, demência e câncer
A preocupação vai além do coração. Segundo o especialista, os mesmos fatores que causam infarto também estão associados ao AVC, insuficiência cardíaca, demência e até o câncer. “Ao controlar 10 fatores modificáveis, tabagismo, pressão alta, escolaridade baixa, obesidade abdominal, diabetes, força muscular reduzida, sedentarismo, consumo exagerado de álcool, alimentação não saudável e poluição, conseguimos evitar 70% de todas as mortes prematuras no Brasil”, diz.
As diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) estabelecem que os valores ideais de colesterol total devem ser abaixo de 190 mg/dl e HDL acima de 40 mg/dl, sem diferenciação por pessoas de baixo, médio ou alto risco. Para o LDL, os valores variam conforme o risco cardiovascular: abaixo de 130 para risco baixo, abaixo de 100 para risco intermediário e abaixo de 70 para risco alto.
A manutenção dos níveis de colesterol inclui a adoção de hábitos saudáveis, como praticar atividades físicas, dormir bem, se alimentar de forma saudável e evitar o tabagismo e comidas ultraprocessadas. Porém, em muitos casos, principalmente devido a fatores genéticos, o tratamento medicamentoso, acompanhado do especialista da saúde, é recomendado e necessário.
A relação entre colesterol alto e AVC também é significativa: segundo Dr. Avezum, estima-se que 135 mil casos por ano poderiam ser evitados no país com prevenção e tratamento do colesterol elevado. Além disso, 60% dos casos de demência também estão associados a fatores de risco cardiovasculares modificáveis, como pressão alta, tabagismo, sedentarismo, obesidade, alimentação não saudável, e depressão.
Estilo de vida: a verdadeira medicina
Apesar do avanço das terapias, o grande desafio está na implementação do conhecimento existente. De acordo com o estudo PURE, 20% dos pacientes que tiveram infarto e 30% dos que sofreram AVC no Brasil não usam qualquer medicação após o evento.
“Hoje, mais importante do que gerar novas evidências científicas é conseguir aplicar o que já sabemos. Isso envolve ações coordenadas entre a população, os profissionais de saúde e o sistema de saúde. Prevenir ainda é a forma mais eficiente de salvar vidas e conter os custos crescentes com doenças crônicas”, reforça o Dr. Avezum.
No fim das contas, o especialista resume: “Não conseguimos evitar a morte, mas conseguimos reagendá-la. Prevenir é conquistar um late checkouts da vida.”
Fonte: Assessoria Hospital Oswaldo Cruz