Farmácias em supermercados: a nova fronteira do varejo exige mais que conveniência

Rodrigo Salvo Henriques é diretor de Distribuição Farmacêutica, Qualidade e Otimização da Cadeia de Suprimentos de Saúde na R S Henriques – Comércio e Representações EPP.

Expansão do modelo exige inovação logística e responsabilidade sanitária para se transformar em um avanço real no acesso à saúde

Nos últimos anos, a estrutura do varejo farmacêutico brasileiro passou por mudanças significativas — e a aprovação do Projeto de Lei nº 2.158/2023, no Senado Federal, que autoriza a instalação de farmácias completas em supermercados e seguirá para análise na Câmara dos Deputados (ainda não se tornou lei), representa talvez a mais disruptiva delas. Trata-se de um movimento que promete redefinir o acesso da população a medicamentos e ampliar a competitividade do setor, mas que também exige um olhar técnico profundo sobre logística, regulação e segurança do paciente.

Do ponto de vista do consumidor, o potencial de conveniência é enorme. Comprar alimentos e medicamentos em um único local, com orientação farmacêutica disponível e presença profissional obrigatória, é um avanço importante para a jornada de cuidado. Essa integração pode reduzir filas em unidades básicas, descentralizar a demanda por medicamentos simples e facilitar o acesso em regiões com menor cobertura assistencial.

Mas, como especialista em distribuição farmacêutica, vejo que essa transformação vai muito além da experiência de compra: ela redefine a cadeia de suprimentos como um todo. A presença de farmácias dentro de supermercados cria novos desafios para a chamada “última milha”. Será necessário repensar o transporte, implementar rotas otimizadas e adaptar frotas com controle térmico rigoroso, além de garantir rastreabilidade ponta a ponta e conformidade com padrões regulatórios em todas as etapas do processo.

Outro ponto crucial será evitar a sobreposição com políticas públicas, como o programa Farmácia Popular. Isso só será possível com sistemas interoperáveis que conectem distribuidores, varejistas e autoridades sanitárias, permitindo visibilidade em tempo real dos estoques e das demandas regionais. A coordenação com órgãos públicos — inclusive para o replanejamento de compras e realocação de recursos do SUS — será essencial para garantir eficiência e evitar desperdícios.

Ao mesmo tempo, não podemos ignorar o impacto competitivo dessa mudança. A entrada de grandes redes no segmento de medicamentos tende a pressionar preços, estimular novos modelos de negócio e ampliar o alcance de produtos genéricos e MIPs. Por outro lado, também pode acelerar o fechamento de farmácias independentes, exigindo políticas de incentivo e capacitação para que pequenos e médios estabelecimentos se diferenciem por meio de serviços clínicos, atendimento personalizado e conveniência local.

A experiência internacional mostra que o caminho é promissor, mas não isento de riscos. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, supermercados com farmácias integradas melhoraram significativamente os indicadores de satisfação do cliente e ampliaram o acesso a medicamentos. Ao mesmo tempo, enfrentaram desafios de concentração de mercado, regulação e integração com o sistema público de saúde. O Brasil tem a oportunidade de aprender com esses casos e desenhar um modelo sustentável desde o início.

Falo com a experiência de quem atua há mais de duas décadas nesse setor. À frente da R S Henriques – Comércio e Representações, conduzi projetos complexos, como o fornecimento de insumos cirúrgicos para a rede pública de Manaus e a operação de testagem em massa durante a pandemia de COVID-19, que envolveu desde a negociação com fornecedores internacionais até a entrega em comunidades remotas da Amazônia. Em ambos os casos, eficiência logística, controle de qualidade e compromisso social foram fatores decisivos para o sucesso das operações — os mesmos que, agora, serão determinantes para o êxito da integração entre farmácias e supermercados.

Estamos diante de uma transformação inevitável e necessária. No entanto, a expansão desse modelo precisa ser feita com planejamento estratégico, investimentos em tecnologia e colaboração entre indústria, distribuidores, varejo e governo. A farmácia dentro do supermercado não deve ser apenas mais um ponto de venda: deve ser um elo forte na cadeia de saúde, garantindo segurança, acesso e eficiência — e, acima de tudo, melhorando a vida de milhões de brasileiros.

Por Rodrigo Salvo Henriques

Fonte: https://revistadafarmacia.com.br/farmacia/farmacias-em-supermercados-a-nova-fronteira-do-varejo/

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