Empresas conseguem na Justiça ajuste do prazo de patente

Não bastasse a demora habitual do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ao analisar os pedidos de patentes, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reduziu o prazo das patentes de inúmeros medicamentos.

A decisão retroagiu especificamente em relação a medicamentos e equipamentos de saúde, porque o Supremo atendeu a reivindicações de fabricantes de genéricos que alegaram que essas patentes protegiam tecnologias que poderiam ser usadas e barateadas para o combate à pandemia do coronavírus.

Desse modo, foram extintos anos de duração de patentes de remédios anteriormente concedidas pelo dispositivo previsto no parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/1996, revogado no julgamento. Números do próprio INPI apresentados na ADI 5529 indicavam que ao menos 2.752 patentes das áreas de biofármacos e fármacos seriam afetadas pela modulação de efeitos da decisão, em que pese apenas 04 destas teriam correlação com o combate ao coronavírus.

O dispositivo revogado dava automaticamente 10 anos de vigência de patente para invenções quando o INPI demorava mais de 10 anos para analisar o pedido de patente. Garantia assim prazo mínimo razoável de vigência de uma patente no Brasil, em consonância com o TRIPS – tratado de propriedade intelectual da OMC.

Só que a mudança nas regras do jogo terminou por afetar medicamentos que já estavam patenteados pelo modelo antigo, ainda que o INPI tenha demorado, sem justificativa, para analisar esses pedidos de patentes.

Para tentar resolver o impasse deixado por essa mudança de regras, empresas abriram pelo menos 46 processos na Justiça Federal (primeira e segunda instâncias) para solicitar um ajuste no prazo de vigência de patentes (Patent Term Adjustment, ou simplesmente PTA). Desses processos, em pelo menos 25 casos, o INPI demorou entre 10 e 15 anos para analisar e conceder a patente. Pela demora, 24 empresas solicitam um prazo ajustado de patente, que varia entre 5 a 10 anos.

“O sistema não funcionava bem. Se a análise do pedido de patente demorou 10 anos no INPI, você tinha uma compensação com os 10 anos de vigência. Mas agora você tem um sistema que adernou para o outro lado”, diz o advogado Rodrigo Cogo, sócio do Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.

A necessidade de ajuste no prazo de patentes surgiu depois da decisão do STF na ADI 5.529, mas na decisão da própria Suprema Corte já tinha sido citado esse modelo aplicado em outros países como referência para esse tipo de problema, de acordo com o acórdão do julgamento.

“O cálculo do ‘patent term adjustment’ é feito caso a caso e depende de requerimento, diferente do que ocorre no Brasil, pois no parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996 se estabelece prazo de aplicação imediata, independente de pedido prévio e de análise do caso concreto”, diz o acórdão da ADI 5.529.

A decisão de março deste ano do ministro Ricardo Lewandowski, na Reclamação (RCL) 50.546, deixou o caminho aberto para que o Judiciário revise o prazo de patentes. Nesse processo, apresentado pelo INPI, o órgão tinha alegado que esse ajuste no prazo já tinha sido decidido na ADI 5.529, o que foi negado pelo ministro, que reconheceu que tal discussão não afronta a decisão da ADI.

Os escritórios Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados e Dannemann Siemsen Advogados conseguiram um ajustamento no prazo de patentes, depois de apontar na ação que houve demora “desarrazoada” na análise do pedido de patente pelo INPI. Isso foi alegado porque os advogados notaram, por exemplo, que levou seis anos para o INPI publicar o primeiro despacho de análise de um dos casos.

Por isso, os advogados sustentaram que essa demora de seis anos para que o processo fosse inicialmente analisado deveria ser compensada com acréscimo de prazo de patente. “Se o INPI demorou para analisar a patente, e a culpa foi dele, tem que reparar o dano que causou”, diz Cogo, do Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.

Como fundamento do ajuste no prazo de patentes, advogados citam dispositivo do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a “razoável duração do processo”. Também serviram de referência dispositivos que garantem 60 dias de resposta em processos administrativos no INPI, previsto na Lei 9.279/1996.

“O titular da patente não pode ser o único penalizado nessa história se houve demora irrazoável por parte do INPI. Existem regras administrativas pelas quais o jurisdicionado não pode sofrer com a demora do ente administrativo”, diz o advogado Gustavo De Freitas Morais, sócio do Dannemann Siemsen.

A proteção por patente é considerada um dos mecanismos de incentivo à pesquisa e desenvolvimento de produtos inovadores. Isso porque a exclusividade de exploração econômica, por um período máximo de até 20 anos, é considerado um estímulo para que empresas invistam em inovação.

Para o advogado Otto Licks, sócio-fundador do Licks Advogados, a redução retroativa dos prazos de patentes criou uma injustiça que o Direito brasileiro é capaz de resolver. “Enquanto não temos legislação para a concessão de ajustes por conta de atrasos (conhecido como PTA), o Poder Judiciário é o único que pode sanar a injustiça”, argumenta Licks. “Há lei desde 1999 e farta jurisprudência sobre a recomposição, pelo Poder Judiciário, de injustiças e prejuízos causados pelo atraso da administração pública. Há inclusive fundamento constitucional”, conclui.

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