Como gigantes farmacêuticas e startups buscam saídas para uma vida mais longa e com saúde

Tão grande quanto o desafio de continuar a prolongar a própria existência é propiciar mais qualidade de vida na velhice – e já existe uma corrida em curso nesse sentido

Em 2014, quando tinha 57 anos, o oncologista americano Ezekiel Emanuel escreveu um polêmico artigo para a The Atlantic com o seguinte título: “Por que espero morrer aos 75 anos”. Nele, defende que não vale a pena esticar a vida ao máximo se isso se traduzir, simplesmente, em anos a mais de saúde em frangalhos. “Sem dúvida, a morte é uma perda”, escreveu. “Mas aqui está uma verdade a que muitos de nós resistimos: viver por muito tempo também é uma perda. Torna muitos de nós, se não incapacitados, então vacilantes e em declínio, um estado que pode não ser pior do que a morte, mas que não é vantajoso”.

O artigo do oncologista, hoje com 67 anos, chama a atenção para o lado menos otimista do aumento da expectativa de vida no último século. Se hoje vivemos em média o dobro do tempo que nossos antepassados, a proporção de tempo com pouca ou má saúde não mudou, segundo um relatório recente elaborado pela consultoria McKinsey. Nos Estados Unidos, segundo o Conselho Nacional do Envelhecimento (NCO, na sigla em inglês), quase 95% dos americanos com 60 anos ou mais enfrentam, pelo menos, algum tipo de problema crônico de saúde – cerca de 80% convivem com dois ou mais. A expectativa de vida no Brasil, pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 75,5 anos. Mas vivemos 63,7 anos com saúde, em média, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Há duas conclusões estatisticamente verdadeiras nesse cenário. A primeira é que passamos mais anos saudáveis da nossa existência do que qualquer outro momento da história. A segunda é que nunca padecemos tanto tempo de doenças como hoje.

Especialistas usam dois termos para definir o ponto em que estamos e aonde queremos chegar: não se fala apenas em lifespan (tempo de vida), mas também em healthspan (tempo de saúde). Aumentar o tempo de vida saudável exige olhar com mais cuidado e entender doenças até hoje pouco compreendidas e sem cura, e associadas ao envelhecimento, como Alzheimer e Parkinson. “Muita gente concorda que qualidade de vida é mais importante do que quantidade de vida”, disse a Época NEGÓCIOS Tim Peterson, CEO da Healthspan Technologies, criada em 2021 e que recebeu um aporte não revelado de Sam Altman, fundador da OpenAI. “Viver mais, porém ficar doente a maior parte do tempo, não é o ideal.”

Nem sempre existe um limite claro entre terapias que propiciam extensão da vida ou a melhoria do tempo vivido em plena saúde – a maior parte está na intersecção dos dois objetivos. A grande diferença em considerar intencionalmente os dois aspectos está em entender melhor como conseguirmos avançar também na ponta do healthspan. Um exemplo está no foco da Healthspan Technologies: o desenvolvimento de vacinas aptas a debelar patógenos que levam à aceleração do envelhecimento. “Há séculos, as doenças infecciosas são o principal fator limitante da expectativa de vida”, afirma Peterson. “Compreende-se, cada vez mais, como elas também potencializam males como a neurodegeneração, mas ainda é preciso empreender mais esforços para combatê-las.” É o caso dos integrantes da família dos herpesvírus. Estima-se que até dois terços da população mundial estejam infectadas com o herpes simplex e o citomegalovírus, principais alvos da Healthspan Technologies. “Ambos são cada vez mais associados ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, e à autoimunidade, entre outras condições imunológicas”, diz. Sediada no estado de Missouri, nos Estados Unidos, a startup diz já ter desenvolvido uma vacina com a tecnologia de RNA mensageiro contra o herpes simplex, ainda em fase de testes.

Grandes indústrias têm buscado o apoio de startups para acelerar nessa direção. Subsidiária da Bayer, a healthtech canadense Bluerock, cujo valor de mercado é de mais de US$ 1 bilhão, desenvolve terapias celulares para facilitar o tratamento de doenças diversas, como o Parkinson. A doença também está na mira da gigante AbbVie, que faturou US$ 55 bilhões no ano passado. Em outubro, a multinacional adquiriu, por US$ 110 milhões, a healthtech Mitokinin. Esta desenvolve um composto que promete corrigir uma disfunção mitocondrial associada ao Parkinson. Focada no desenvolvimento de novos tratamentos para doenças neurodegenerativas, a Neuropore Therapies criou uma substância apta a inibir o desenvolvimento incorreto de uma proteína chamada alfa-sinucleína, também associada à progressão da moléstia que afeta o ator Michael J. Fox. Já está sendo testada com humanos em parceria com a Novartis, que irá destinar US$ 150 milhões à healthtech para comercializar o medicamento, caso tudo dê certo.

Adquirida pela Roche por US$ 47 bilhões, a americana Genentech, que já lançou mais de 40 medicamentos, desenvolve uma terapia celular para o tratamento de distúrbios oculares, incluindo a temida degeneração macular, associada ao envelhecimento. É uma esperança para quem quer viver mais – e enxergar com perfeição tudo que vier pela frente.

A anglo-sueca AstraZeneca também está fazendo investimentos em companhias de biotecnologia para se destacar na oferta de terapias genéticas. No final de 2023, a farmacêutica investiu US$ 80 milhões na francesa Cellectis, cujas terapias celulares e genéticas com foco em oncologia, imunologia e doenças raras já estão em estágio clínico. A quantia é parte de um investimento estratégico maior, de US$ 245 milhões, entre dinheiro e ações, e a elegibilidade para pagamentos futuros, variando de US$ 70 milhões a US$ 220 milhões para cada um dos produtos candidatos a se tornarem medicamentos. A AstraZeneca deterá aproximadamente 22% do capital social e 21% dos direitos de voto da empresa.

A Pfizer, líder do setor farmacêutico atualmente em volume de receitas, com um faturamento de US$ 100 bilhões em 2022, também criou seu próprio fundo de corporate venture capital (CVC), e com ele investiu em cinco startups de biotecnologia. Uma delas é a Evolvelmmune Therapeutics, que recebeu uma rodada de financiamento de US$ 37 milhões em 2023, liderada pela Pfizer Ventures e pela Takeda Ventures, da gigante japonesa Takeda. Dedicada a imuno-oncologia, a Evolvelmmune desenvolve os primeiros bioterapêuticos multifuncionais para aumentar a eficiência dos atuais agentes de imunoterapia contra a resistência das células cancerígenas. A Pfizer investiu também na belga AgomAb Therapeutics, que recebeu 94,9 milhões de euros em outubro do ano passado. O investimento irá financiar os ensaios clínicos de um candidato a medicamento, o AGMB-129, para pacientes com a doença de Crohn fibrótica (FSCD), presente em até 50% dos casos e a principal causa de ressecção intestinal. O AGMB-129 recebeu designação fast track da agência reguladora americana, que se destina a acelerar o desenvolvimento e a revisão de terapias para condições graves ou potencialmente fatais sem tratamento.

Há casos de colaboração entre as grandes do setor e investidores. A gigante britânica GSK, por exemplo, aportou US$ 30 milhões na Sitryx Therapeutics em outubro do ano passado. Com sede em Oxford, no Reino Unido, a Sitryx já captou US$ 79 milhões em três rodadas de financiamento. Suas pesquisas estão centradas na intersecção entre inflamação e metabolismo celular – os processos inflamatórios estão diretamente ligados ao envelhecimento celular e ao surgimento de inúmeras doenças. A empresa também atraiu outra grande indústria do setor, a americana Eli Lilly, que em 2020 estabeleceu uma colaboração global de licenciamento e pesquisa com a startup.

O campo em estágio mais inicial ainda é o das doenças degenerativas, como o Parkinson. Um dos maiores especialistas no tema no mundo é o americano Randy Schekman, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, vencedor do Prêmio Nobel de Medicina em 2013. Desde 2017 ele comanda uma rede de 35 laboratórios num esforço patrocinado por Sergey Brin, um dos fundadores do Google – um projeto batizado de Aligning Science Across Parkinson’s (Asap), com orçamento de US$ 290 milhões. Coincidência ou não, “asap” é o acrônimo para “as soon as possible”, e faz sentido com a pressa de Brin, portador de uma das mutações mais comuns que levam à doença. Schekman, porém, conta que ainda estamos no estágio de entender se a doença é um espectro – e como combatê-la. “Estamos preparados para a possibilidade de que para cada tipo de Parkinson seja necessário um tratamento diferente. O desafio, portanto, pode ser maior do que se pensava”, afirmou a Época NEGÓCIOS. Para ele e para um grupo crescente de pesquisadores e empreendedores, se queremos viver cada vez mais, precisamos também nos preparar para viver melhor.

Fonte: https://epocanegocios.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2024/06/como-gigantes-farmaceuticas-e-startups-buscam-saidas-para-uma-vida-mais-longa-e-com-saude.ghtml

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